Sociedade Transformar

15 de maio de 2022

Soberania panamenha usurpada ou concedida?

Panamá é mundialmente conhecido por seu canal, que interliga os oceanos Atlântico e Pacífico, possibilitando a passagem de gigantescos navios de carga ou passageiros. Aprendemos na escola que sua construção, no início do século XX, só foi possível pela capacidade da engenharia norte-americana de vencer a natureza selvagem e levar a modernidade a esta área remota e inabitada da América Central.

Em 2010, numa escala no Panamá, fiz uma rápida visita a sua capital. A eclusa de Miraflores, fundada em 1913, foi o ponto turístico de destaque de então. Doze anos depois, por razões familiares, tive a oportunidade de ficar 6 semanas no Panamá. Os arranha-céus disputam com Nova York e Dubai em termos de arquitetura inovadora. O Casco Viejo está remodelado, com restaurantes, lojinhas e hotéis de luxo. Museus como o Biomuseo e Mi Pueblito contam a rica historia local.

 

Em 2022, redescobri um Panamá que se reinventou.

Nos primeiros dias por lá tive a felicidade de encontrar um livro – Histórias perdidas do canal do Panamá – que apresenta um histórico sobre o entorno do canal que não aprendemos na escola. E nas viagens pelo país pude melhor compreender a narrativa. Faço um breve resumo a seguir.

Desde a descoberta das Américas a região onde hoje está o canal foi utilizada para o transporte de cargas e pessoas, parte em barcos pelos rios e também em mulas. Nestas centenas de anos vários povoados se instalaram ao longo do istmo, onde comerciantes alojavam e alimentavam os viajantes. Com a corrida do ouro na costa oeste norte-americana, cerca de mil pessoas, por dia, percorriam aquele caminho. Com a construção da estrada de ferro do Panama, no século XIX por uma empresa francesa, viajantes mais requintados passaram a frequentar a região, e as cidades prosperaram, inclusive atraindo o investimento estrangeiro. 

Veio a primeira tentativa de construção do canal, com projeto idealizado por uma empresa francesa, que apresentou problemas técnicos e desvio de grande parte do dinheiro de investidores europeus. Com a suspensão  do projeto francês, uma empresa norte-americana, suportada pelo Governo dos EUA, apresentou um novo projeto com uso de eclusas. Em contrapartida, toda a operação do canal estaria sob controle exclusivo das Forças Armadas norte-americanas e, por questões de segurança, uma área nas duas margens do canal seria também por eles controlada, para sempre. O Governo da Colombia rejeitou a proposta, porque entendia ser uma afronta a sua soberania territorial. Poucos meses depois o Panamá, com a ajuda dos EUA, se torna independente da Colombia e, em seguida, o novo governo assina o acordo para a construção do canal, aceitando todas as contra-partidas.

No inicio da construção havia uma convivência cordial entre locais panamenhos, trabalhadores vindos de todas as partes do mundo e os norte-americanos, que habitavam e trabalhavam na área conhecida por a ZONA. Pouco a pouco foram se instalando politicas de segregação racial e de nacionalidade, com consequências econômicas e sociais. A área sob controle dos militares norte-americanos foi se ampliando e os “nativos” locais sendo expulsos.

 

Por fim, em 1912, o Ministro da Defesa dos EUA determina a retirada de todos os povoados e vilarejos da ZONA e sua população teve menos de 2 meses para se realocar no Panamá. Parcos recursos e baixas indenizações foram ofertadas aos locais, que deixaram os locais onde nasceram, cresceram e faziam negócios. Apenas algumas novas cidades, construídas pelo Governo dos EUA para os seus cidadãos brancos, seriam permitidas. Dai surge Nova Gamboa (foto), construída na década de 30, hoje abandonada.

Para onde foram os cerca de 44 mil “nativos” retirados da ZONA? Suas histórias se perderam assim como boa parte dos registros de vilarejos centenários como Gamboa, Imperador, Balboa, etc. Pouco a pouco a mata tropical exuberante foi de tudo se apropriando.

Questionamentos politicos sobre a perda da soberania do Panamá sobre uma área estratégica se repetiam, mas eram rejeitados pelos EUA. Na década de 60 os estudantes panamenhos iniciaram uma série de manifestações, nem sempre pacificas, para reverter o acordo. Finalmente, em 1977 o Presidente Carter assina um acordo em que o controle do Canal e da ZONA passaria ao Panamá. Em 1999 o Governo panamenho volta a controlar 100% do seu território.

Por quase 100 anos o pais esteve dividido pela ZONA, um território norte-americano em plena América Central. Sua maior riqueza, o controle do canal, era destinado aos cofres norte-americanos. Em prol da independência, políticos se deixaram levar pelo canto da modernidade e cederam, ou tiveram usurpada, a soberania. Fico imaginando que outras histórias perdidas temos na América Latina!

 

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