26 de setembro de 2016
Filosofia da Liberdade – a prática na teoria
Segundo o dicionário Aurélio, liberdade significa “Direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem.”. Mas liberdade também aparece relacionada a características como ousadia, franqueza e licença, que por sua vez remetem a audácia louvável, sinceridade e permissão. Foi esta liberdade que vivenciei recentemente no Caminho de Santiago.
Por três semanas percorri a pé cerca de 400km, desde St. Jean Pied de Port (França) até Fromista (Espanha). Cruzando os Pirineus, subindo e descendo as mesetas do norte da Espanha, ficando hospedada em albergues para peregrinos, convivendo com pessoas de várias idades e nacionalidades, que se dispuseram a fazer o caminho pelos mais diversos motivos. Definitivamente não é um “passeio no parque”. Requer uma pitada de audácia. Mas o sentimento de liberdade foi pleno no momento que “quebrei regras”.
No primeiro dia, ao subir os Pirineus, acabei sentindo muitas caibras, pela subida puxada mas também pelo calor que fazia – foi um dos dias mais quentes do verão! Era tanta dor que cheguei ao albergue certa que a caminhada acabara no primeiro dia! A recepcionista, vendo a minha decepção, propôs que eu seguisse sem a mochila, fazendo uso de um serviço que leva a mochila para o albergue seguinte.
Assim fiz, meio que envergonhada, porque peregrino que se presa carrega sua mochila! Aquele dia, cruzando os Pirineus e descendo para Roncesvales acabou sendo especial. O dia estava limpo, sem nuvens, ventava bastante o que dificultava o caminhar mas, ao mesmo tempo, nos obrigava a parar de tempos em tempos e assim apreciávamos mais a paisagem – uma série de cadeias de montanhas, sete ou mais, que mágico! E sem a mochila, o caminhar tinha se tornado mais leve e prazeroso! À noite fiquei refletindo: o que ganhava por levar a mochila? Me veio a imagem dos peregrinos da Idade Média, que nada levavam, apenas o cajado para melhor se apoiar e a concha para beber agua nos rios…Então resolvi novamente experimentar o caminho sem a mochila… A partir daí, despachei minha companheira quase todos os dias. E vários outros peregrinos faziam o mesmo, alguns todos os dias, outros quando a caminhada era mais puxada. Me permiti caminhar fisicamente mais leve, mais feliz no caminho.
Uma outra “regra transgredida” foi a minha decisão de um dia pegar um onibos e “by passar” o Monte do Perdão. Na noite anterior havia chovido muito, daquelas tempestades com raios e ventanias. E na manhã o monte estava completamente encoberto e lá chovia. Aquele monte é uma das partes mais difíceis do caminho, sobretudo pela descida bem íngreme e cheia de pedras soltas. O hospitaleiro do albergue já havia me alertado para ter muito cuidado. Então resolvi “me despachar” para o outro lado da montanha. Eu queria ver uma série de estátuas que ficam naquele topo, mas meu medo de cair ou torcer o pé naquelas pedras molhadas foi grande e meu desejo por continuar no caminho era imenso. Assim, fui sincera comigo mesma e novamente me permiti seguir, desta vez, com a alma mais leve e o coração em paz.
Na trem para Paris, ao fim desta parte da caminhada, retomei a leitura do livro Filosofia da Liberdade (Rudolf Steiner), que havia iniciado antes da viagem. Para minha grande surpresa, retomei no capítulo “A idéia da liberdade”. Tudo o que eu havia experimentado, no sentido de “quebrar regras criadas pela sociedade”, sem prejudicar outros, estava ali descrito! Tinha vivenciado essa liberdade ao superar normas, e agido conforme minhas intuições, encontrando felicidade e paz!
“Liberdade! Nome querido e humano, que abarcas tudo o que é bom para a humanidade e que me conferes plena dignidade. Tu não admites que eu seja o escravo de ninguém, tu não estabeleces simplesmente uma norma, tu esperas o que meu amor à ação descobrirá como eticamente correto, protegendo assim minha autonomia.” (Filosofia da Liberdade, Rudolf Steiner)